Presidente da ABMES e Secretário Executivo do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular
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Quando o brasileiro enxugar a lágrima, lavar o rosto e sacudir a poeira, talvez perceba que o acontecido era previsível, óbvio e necessário. As vitórias escondem problemas; as derrotas jogam luzes sobre eles.(Júlio Gomes[1])Convivi na minha juventude com amigo que só tolerava futebol como prática desportiva. Considerava um absurdo alguém assistir a um jogo torcendo por 22 homens correndo atrás de uma bola. Ele dizia que o futebol profissional era uma maneira de arrancar dinheiro dos trouxas para sustentar os “cartolas” dos clubes. Imaginem o que ele diria hoje, após assistir à "Copa das Copas", este incrível mega espetáculo mundial. Polêmico por excelência, o meu amigo citaria alguns autores para justificar o seu ponto de vista. Estou certo de que ele ficaria estupefato, mesmo sendo publicitário, como um jogo de rua tão simples fora capaz de transformar o Brasil no centro do universo durante a Copa. Este artigo não pretende comentar o sofrível desempenho do selecionado “canarinho”, porque muita gente especializada já o fez e logo teremos livros explicando melhor o sucedido. O tempo vai dizer. Se Nelson Rodrigues estivesse vivo, certamente estaria atordoado com este fenômeno global que atraiu tantos espectadores e que foi considerado o maior evento mundial de todos os tempos. De fato, congregou num só dia mais de 2 bilhões de telespectadores, espelhou nos seus números um dos maiores negócio do planeta e envolveu, segundo a Revista Exame, a soma apreciável de 143 bilhões de reais só no Brasil. A equipe brasileira ficou em quarto lugar, após uma derrota humilhante para a Alemanha. Como eu tive o privilégio de assistir à primeira e à ultima partidas, obriguei-me a refletir sobre as lições que a Copa possa ter deixado. Para tanto, tomo como referências a conferência proferida por José Aloise Bahia[2] em 2004, na cidade de Belo Horizonte, sobre o tema "Muito além do Espetáculo" e artigo recente de Gustavo Franco sobre “A Copa e a Economia”. [3] Durante a conferência, que contou com a participação de expressivos intelectuais, Bahia analisou o livro de Guy Debord sobre a “A Sociedade do Espetáculo“ [4]. Debord – filósofo, cineasta e ativista – era marxista e via o “espetáculo” como mais um modo de alavancar negócios para os “vis” interesses capitalistas. Ele justificava que na vida atual o mundo dos grandes empresários se apropriava dos fatos e acontecimentos criando o que denominava de “A Sociedade do Espetáculo”. Para Debord, a época atual está contaminada pelas imagens e pelas aparências, sendo mais fácil perceber a realidade pela representação das imagens do que pelo acontecido, tornando o mundo um simulacro da realidade onde tudo se torna representação:
Pela mediação das imagens e mensagens dos meios de comunicação de massa, os indivíduos abdicam da dura percepção dos acontecimentos e passam a viver numa realidade movida pelas aparências e consumo permanente de fatos, notícias, produtos e mercadorias.O espetáculo – de acordo com Debord – consiste na multiplicação de ícones e de imagens, advindas não só dos meios de comunicação de massa, como também dos rituais políticos, religiosos, desportivos e artísticos e de tudo o mais que falta à vida real do homem comum. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. O autor observa que,
consequentemente, celebridades, atores, desportistas, políticos, enfim personalidades, gurus, mensagens publicitárias transmitem uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia.Resumo a seguir o pensamento de Gustavo Franco que em seu mencionado artigo enuncia quatro lições aprendidas com a Copa. A primeira refere-se à globalização que, segundo Franco, é
um monstro de mil faces e vilanias, que, contudo, se apresentou em uma encarnação encantadora. Um jogo tão simples quanto apaixonante mobilizou rigorosamente todo o planeta, equalizando grandes potências e pequenos países subdesenvolvidos, bem como seus torcedores.São milhares de peregrinos paramentados com suas cores nacionais a oferecer uma lição inesquecível de tolerância e fé no gênero humano: o contato com pessoas do mundo não dilui a nacionalidade e celebra a diferença. A segunda lição tem a ver com competitividade. No plano esportivo, a Copa surpreendeu pelo equilíbrio. O futebol é uma atividade democrática ao extremo, pois todo mundo sabe jogar. Os times ficaram mais parecidos, não existe mais jogo fácil, nem grandes diferenças de “qualidade”, como dizem os boleiros. Volta-se para o imaginário global a terceira. O futebol é o terreno do talento e da excelência; da igualdade diante das regras, da concorrência honesta que se repete em certames internacionais, nos quais os adversários trocam suas camisas ao final, independentemente do resultado, considerando de um lado o desejo de satisfazer a uma audiência exigente e ansiosa por aplaudir os gênios, os craques, e, de outro, a lógica meritocrática do jogo coletivo. A quarta e última lição tem a ver com o gasto público e com o balanço financeiro do evento. O brasileiro sabe fazer contas, especialmente quando se trata do seu dinheiro, e a Copa trouxe para as páginas esportivas muitas revelações incômodas sobre o modo como as autoridades conduzem os grandes programas de desenvolvimento. O hexa, em particular, não tinha preço, tudo é barato mesmo quando superfaturado, porém com uma maldição antiga – feito com o dinheiro da “Viúva” que não tem dono. Em resumo, o legado econômico da Copa poderá ser muito rico se tivermos o descortino de tirar o devido proveito dos erros e dos acertos, sem as fanfarronices habituais. Equidistante de Debord e de Franco, posso dizer que espetáculos de caráter artístico, religioso, militar, desportivo entre outros existem desde priscas eras. A atração extraordinária que têm hoje deve-se ao desenvolvimento dos meios de comunicação, da mídia televisiva e da existência de um mundo sem fronteiras, no qual todos desejam participar dos acontecimentos. O calendário mundial está repleto de eventos de tamanhos diversificados e para todos os públicos em função do seu poder das pessoas. Para viabilizá-los e explorá-los formam-se grandes empresas mundiais apoiadas nas atividades básica do turismo – hotéis, alimentação, lazer e transporte. Trazer eventos para cidades ou países é missão dos governantes pela representatividade econômica e pela entrada de divisas para seus países. Trazer a Copa do Mundo para o Brasil foi, por si só, uma jogada estratégica por tratar-se do maior evento do planeta. Pergunto-me: – Será que o país teria suporte para fazê-lo de forma viável e racional, pergunto-me? Se alguns brasileiros têm complexo de vira-latas, tal como afirmam os governantes, estes, por sua vez, têm de megalomanias, pois tudo prometem sem medir as consequências futuras. Da mesma forma que as famílias não podem gastar mais do que ganham, um país não pode empenhar mais do que os seus recursos existentes permitem. Este foi, no meu modo de ver, o grande problema que o governo brasileiro não soube contornar. Refém da Fédération Internationale de Football Association(Fifa) e dos empreiteiros e sem planos viáveis, o governo construiu os estádios a toque de caixa. O mesmo aconteceu com a infraestrutura para as obras de base e, pelo que se sabe, “a carta da vez” será o retrabalho e o aumento dos custos. Faltou ao governo competência para usar as suas melhores cabeças para avaliar economicamente o retorno dos investimentos da Copa, como o maior espetáculo do planeta e para fazer dela uma estratégia de desenvolvimento para o país. Em vez de usar os melhores talentos, os governos e seus representantes sucumbiram a emoção do hexa, utilizaram-se dos piores “cartolas” e deu no que deu. [1] Editor da BBC Brasil. http://www.bbc.co.uk/portuguese/topicos/blog_do_julio_gomes/ [2] Pesquisador no campo da comunicação social e interfaces com a literatura, política, estética, imagem e cultura de massa. http://www.jornaldepoesia.jor.br/josealoise.html [3] http://oglobo.globo.com/economia/a-copa-a-economia-13166626 [4] Editora Contraponto. Rio de Janeiro, 2000. http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/socespetaculo.pdf